25 anos de História dos Índios no Brasil: balanços e perspectivas da história indígena

 

Neste ano de 2017, o livro organizado por Manuela Carneiro da Cunha, História dos Índios no Brasil, completa 25 anos desde a sua publicação, em 1992. O livro foi o resultado de um projeto iniciado em 1988 e pretendia, na época, “avaliar o estado atual do conhecimento sobre história indígena e indicar direções promissoras para novas pesquisas”. Não é preciso lembrar a estreita relação de tal projeto com o contexto político nacional e mesmo internacional: ele se iniciou na esteira da nova Constituição brasileira – em que, de um movimento indígena de alcance nacional, foram instaurados novos parâmetros da política do Estado com relação aos povos indígenas – e seu resultado foi publicado na forma de um livro em 1992, data não menos emblemática, em torno da qual se articularam reflexões acerca dos quinhentos anos da chegada dos europeus na América, suas consequências, seus significados.

Mirando o futuro, de caráter programático e com a intenção de propor uma agenda de pesquisa, a apresentação do livro denunciava uma série de pressupostos que haviam até então entravado o desenvolvimento dos estudos em história indígena: o estereótipo do primitivismo, restos do evolucionismo do século XIX; o suposto caráter a-histórico das sociedades indígenas, que seriam iguais a si mesmas desde antes de Colombo pisar na América; a sua exígua população quando da ocupação do continente pelos europeus, forte imagem dos anos 1940/50. No entanto, desde a década de 1960, esses pressupostos haviam sido escrutados e estavam abalados e, em 1990, já não era mais possível falar nos mesmos termos: além de os índios se mostrarem indubitáveis sujeitos históricos, partícipes que foram da Constituinte, o que defendia Manuela na Introdução do livro era que a situação em que se encontravam resultava de processos históricos nos quais eles próprios não deixaram de tomar parte e aos quais atribuíram significados.

“Uma história propriamente indígena ainda está por ser feita”, dizia. E a ideia do livro era orientar direções de pesquisa a partir do que já se havia estabelecido. Estavam postas as bases para um novo campo, o de estudos da história indígena: os índios tinham uma história, eram agentes dela e refletiam sobre ela. A nova agenda visava o futuro, que seria construído a partir de um projeto de recuperação da memória indígena, esta que lhe permitiria construir sua identidade e garantir seus direitos. Mais do que uma agenda de pesquisa, era um programa político: “Ter uma identidade é ter uma memória própria. Por isso a recuperação da própria história é um direito fundamental das sociedades. É também, pela atual Constituição, o fundamento dos direitos territoriais indígenas, e particularmente da garantia de suas terras”. Resgatando-as do passado, Manuela atribuía às sociedades indígenas um futuro, a ser ativamente construído a partir da recuperação de sua memória e de sua história, para que “talvez o sexto centenário do descobrimento da América tenha algo a celebrar”.

Fazemos, hoje, parte do futuro ao qual se referia esse livro em 1992. Passado o tempo de uma geração desde essa publicação que nasceu como um referencial para os estudos indígenas, cabem algumas perguntas: o que viemos construindo desde então? Em que estado se encontra atualmente nosso conhecimento sobre a história indígena e o campo de estudos que se gestou? Como se desenvolveram os temas propostos no livro? Quais novos temas surgiram? Quais temas foram deixados de lado? A que conclusões chegamos? Qual relação entre os caminhos traçados pelas pesquisas e os contextos políticos da história recente do Brasil? Quais foram as políticas públicas desenvolvidas ao longo desses anos? De que forma o olhar da sociedade envolvente sobre os povos indígenas no Brasil mudou? Por quais transformações passaram essas sociedades? Como agiram e quais foram as conquistas dos movimentos indígenas? Com quais ameaças atualmente eles têm se defrontado? Como devemos nos posicionar como cidadãos, intelectuais, cientistas? A agenda de pesquisa proposta ainda é pertinente, foi devidamente contemplada, deve ser superada? O que estudar e o que fazer diante do cenário em que estamos vivendo atualmente? Como fazê-lo?

O objetivo do encontro 25 anos de História dos Índios no Brasil: balanços e perspectivas da história indígena é, portanto, realizar um exame do desenvolvimento do campo de estudos que vem se consolidando desde a publicação do livro. A partir da agenda proposta em 1992, pretendemos identificar e mapear o caminho percorrido, o estado atual do conhecimento, assim como as novas questões que se colocam diante do cenário político contemporâneo. Trata-se de uma reunião de debate e planejamento, primeira etapa de um projeto mais amplo que pretende encaminhar, ao longo de 2018, a construção coletiva de uma renovação da agenda para a história dos índios no Brasil, a ser consolidada, até 2022, na forma de uma nova edição.

Assim, endereçamos aos participantes a seguinte questão: de onde partimos, onde estamos e para onde vamos? Sugerimos que as reflexões se reportem aos contextos políticos da história recente do Brasil, desde a Constituinte, que marca o início do projeto que deu origem ao livro História dos índios no Brasil, até o presente momento, com os desafios que se apresentam.

A seguir, encontram-se sugeridas algumas questões organizadas em função dos temas propostos no livro. No entanto, cada um dos participantes é convidado a se sentir à vontade para nomear outras temáticas que tenham se desenvolvido, sobre as quais se espera um arrazoado sintético apoiado por um levantamento bibliográfico consistente.

1 - História, memória e identidade

Este primeiro eixo sugere uma reflexão de caráter teórico sobre o modo como as categorias presente, passado e futuro vêm sendo articuladas no campo de estudos indígenas. Vimos emergir nos últimos anos os termos identidade e memória, além de “histórias indígenas”, para designar a pluralidade das perspectivas possíveis. Qual a importância das histórias indígenas para a luta por garantia e manutenção dos direitos desses povos? De que modo memória vem se sobrepondo à história como categoria analítica? Como a memória tem sido mobilizada para argumentar direitos históricos? Quais as possibilidades, desafios e limites dessa abordagem em âmbito jurídico? Quais as implicações teóricas nos estudos indígenas e nas lutas políticas? E quais os resultados?

2 - Fontes da história indígena

Seguindo a maneira como se apresenta no livro, temas como arqueologia e história de longa duração, considerando as ocupações pré-coloniais, línguas indígenas, documentos coloniais, coleções etnográficas e a produção artística contemporânea constituem-se como fontes da produção de conhecimentos relativos aos povos indígenas. Cabe aqui refletir sobre os diferentes tipos e as diversas possibilidades e desafios do uso de fontes diretas e indiretas (aquelas produzidas pelos índios e/ou sobre eles); os diálogos interdisciplinares na análise das fontes; os avanços da arqueologia e da linguística; os desafios e limites metodológicos dos historiadores no trato de fontes diretas e indiretas.

3 - A agência indígena

Um dos fundamentos desse campo de estudos é o pressuposto de que os índios tomam parte na sua história; são, portanto, sujeitos históricos, agentes de sua história. Como esse tema se desenvolveu ao longo desses 25 anos e a que resultados chegou até o momento? O que foi construído a partir da hipótese da relação dialética entre políticas indígenas e políticas indigenistas? Que tipo de diálogo foi realizado entre os estudos que apostaram nessa hipótese e os cenários políticos dos últimos anos? Como calibrar o discurso entre agência, protagonismo, luta pela manutenção de direitos, ou mesmo por sobrevivência, diante do cenário político atual?

4 - A perspectiva indígena

Além de tomar parte na história como agentes, os índios atribuíram significados a sua história. Portanto, trata-se também de abordar o conhecimento indígena produzido na academia e fora dela: produção literária, acadêmica, educação indígena, ensino de história e cultura indígenas nas escolas regulares, iniciativas de proteção e de promoção das línguas indígenas. Autodesignação e cenários demográficos, participação, luta política e movimentos indígenas.

5 - Terra e trabalho e além

Como se desenvolveram os temas ligados à terra e ao trabalho indígena? Como se articularam esses temas? Em que sentido o tema do trabalho ainda pode contribuir com os estudos de história indígena em seus diversos períodos? Como os estudos sobre terra contribuíram para a análise dos processos de demarcação de terras indígenas? De que maneira se desenvolveram os estudos demográficos? Que lugar ocupam as outras demandas dos povos indígenas: saúde, educação, conectividade, representatividade, participação nas decisões que lhes concernem? Quais perspectivas para cada um desses temas, haja visto o atual desmonte dos direitos constitucionais indígenas?

Informações para o envio de propostas e participação no evento:

1 – Data e local: O evento será realizado nos dias 12 e 13 de dezembro de 2017 na Universidade de São Paulo, na sala Villa Lobos da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (Rua da Biblioteca, s/n, Cidade Universitária, São Paulo, SP).

2 – Envio de proposta: Enviar uma mensagem de email para o correio eletrônico cestausp@gmail.com até o dia 14 de agosto de 2017. A mensagem deve ser intitulada ‘HIB25’ e deve conter um arquivo PDF com o resumo da comunicação (no máximo 1.500 caracteres com espaço) e a indicação de endereço do currículo Lattes do proponente. A comunicação deverá ter duração máxima de 25 minutos.

4 – Seleção de propostas: O resultado da seleção será enviado para o endereço eletrônico do proponente até o dia 21 de agosto de 2017.

5 – A programação completa do evento: Será divulgada nos sites do CEstA/USP (www.usp.br/cesta) e do CPEI/Unicamp (www.cpei.ifch.unicamp.br) a partir do dia 22 de setembro de 2017.

 
Comitê Organizador
Camila Loureiro Dias
Eduardo Natalino dos Santos
Manuela Carneiro da Cunha
Marta Rosa Amoroso
 
Apoio
Aline Iubel
Artionka Capiberibe
Joana Cabral de Oliveira