Fala instituinte do discurso mitico Guarani Mbya

Autor: 
Borges, Luiz Carlos
Resumo: 

A hipótese, que funda esta análise, assume que o mito desempenha um papel de discurso fundador. Não é suficiente, no entanto, assumir essa constatação e afirmá-la, é necessário apontar os mecanismos do funcionamento discursivo do mito, bem como examinar as condições de produção pelas quais o seu caráter de discurso fundador se materializa e, portanto, se historiciza nas práticas discursivas de uma sociedade de tradição oral, como a dos guarani mbyá. É este o objeto de estudo deste trabalho. A partir dessa consideração analítica, a tese se estrutura visando desenvolver a hipótese inicial, e explicitar, com base nos textos mbyá e nos estudos de especialistas, a saturação do mito nas diversas formas de discursivização desse grupo indígena, bem como as relações de mútua determinação entre a fundação mítica e a formação imaginária desse povo. Nas sociedades de tradição oral, mais do que em quaisquer outras, a estruturação étnica, histórico-jurídica e religiosa têm no mito a sua referência fundacional e sua sustentabilidade identitária. Assim, se o mito é capaz de refletir os estados de desenvolvimento das relações sociais, de acordo com os processos de formação e projeçao de auto-imagem; de igual modo, a organização e funcionamento sociais refletem os princípios fundacionais presentes nas narrativas mitológicas estrito senso, dado que entre o mito e a sociedade estabelece-se uma dupla projeção especular. No jogo estabelecido por esse duplo espelhamento, atua a Análise do Discurso. A análise, então, consiste em apontar as formas eas instâncias pelas/nas quais o mito fundador sustenta as redes de sentido que, por sua vez, informam e saturam o imaginário instituinte mbyá. Um percurso metodológico dessa natureza implica, em primeiro lugar, em discutir a constituição discursiva do mito, e em relacioná-lo à historicidade e à arte. Em seguida, leva à verificação de sua insistente presença, seja no dito ou naquilo que, silenciado, é manifestação significante; na estruturação histórico-jurídica do povo, o que inclui, no caso específico dos mbyá, a formação de uma ordem de racionalidade fundada na razão religiosa, responsável por uma de suas características mais acentuada: o profetismo messiânico e a busca da Terra Sem Males. O estudo do discurso fundador mbyá, dada a complexidade de relações e implicações que são estabelecidas entre a ordem mÍtica e a social, mobilizou, para balizamento analítico, além do referencial teórico da AD, noções como magma de significância, imaginário radical instituinte, forma e/ou imagem ideológica, e mecanismos de validade psicológica da ideologia. Este instrumental opera como investimento metodológico para abranger os mais diversos estratos e manifestações da sociedade mbyá, que são, em última instância, determinados pelo discurso mítico fundador, o qual manifesta a formação histórico-ideológica desse povo, a qual, por seu turno, constitui o ceme do seu imaginário radical instituinte. A compreensão do mito, como méio<1JIla de significância, demanda uma leitura que o entenda como constituidor daquilo mesmo que nele se representa: a razão imaginária que sustenta a sociedade. Consoante o que, é preciso compreender que a fundação significante dessa sociedade, enquanto processo histórico-social recorta(-se) (n)o mito. É isso que justifica dizer que as filiações de sentido, o dito, o não dito e o interdito da discursivização mbyá, significam porque o mito significa. 

Referência: BORGES, L.C. Fala instituinte do discurso mitico Guarani Mbya. 1998. 375 p. Tese (doutorado em linguística). Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas - Campinas, 1998.

Palavras-chave: 
Linguística , Analise do discurso , Mito , Língua mbya , Índios guarani.